VALE DO CATIMBAU - PETRIFICANDO-SE NA HISTÓRIA
Memorial da Viagem realizada de
Rosália Cristina
Membro do Grupo do Caminho
Estudante do 2º período de Letras da UNICAP
Primeiros momentos
“Quem estiver faltando levante a mão!” É com essa citação do Padre Mota que inicio este memorial, quando os integrantes do Grupo do Caminho, eufóricos por iniciarem a caminhada, questionavam se estava faltando alguém no ônibus da viagem.
Antes da partida o grupo se reuniu, em frente à Capela da Universidade, para realizar as orações e os cânticos religiosos. A caminhada iniciava-se, na prática, nesse momento. Cabe relembrar que ela já havia iniciado a partir do momento que a proposta foi feita e aceita. Muitos foram os entraves iniciais, mas nenhum que impedisse sua plena realização.
No início da viagem ouviam-se diálogos filosóficos ao som de pandeiro e chocalhos. Caminhando estávamos para Buíque, onde se encontra o Vale do Catimbau com toda sua riqueza natural e histórica. E, talvez impulsionado pelos questionamentos que a filosofia instiga, alguém diz: “qual o significado de Buíque?” Resposta até então não existente que gerou a nossa primeira busca.
A Pedra do Sal
No início da madrugada, paramos em Caruaru e, após seguirmos por uma estrada íngreme, escura e com curvas fechadas, paramos em Arcoverde. De volta à estrada, podíamos, apenas com os faróis do ônibus a delinearem o asfalto, ver o quanto era longa, observar os arvoredos e arbustos ressecados, típicos do sertão, e felicitar os ânimos por sentir que estávamos chegando à Buíque.
A cidade surgiu tranquila e silenciosa. Seguindo o que foi programado, instalamo-nos em uma pousada na entrada da cidade. E novamente os ânimos fervilharam: em que quarto dormir? Quem vai ficar nesse quarto? A metade vai para a chácara? Quem?
O barulho naquela madrugada foi intenso. Quando todos finalmente estávamos colocados em nossos dormitórios, com a exaustão da viagem, fomos dormir. Sono breve, leve e ansioso. Buíque, cidade cujo nome é originário da língua Tupi, significando Pedra do Sal, despia-se com os seus primeiros raios de sol. Revelando-se como uma cidade de várias ruas, de caminhantes matutinos em suas carroças e calçadas, Casas de Show, prédios públicos, igreja, praça e casas simplórias formando o seu aconchego convidativo e de boas vindas.
Impressões no Catimbau
Com 662.000 hectares de mata conservada, contendo 10% de toda formação de caatinga do Nordeste, numa formação do tipo Agreste Semi-árido, com depressões e elevações iniciando o Planalto da Borborema, o Vale do Catimbau nos recebia imponentemente. O caminho que seguimos de ônibus consistia numa estrada sem asfalto, estreita e argilosa, uma estrada que por se só cativava-nos como um tapete longo à porta da casa que estávamos prestes a visitar. As elevações rochosas, ao longe, e as vegetações típicas da região, nas laterais da longa estrada, provocavam-nos a curiosidade por tudo que víamos e ouvíamos de nossos guias.
Ao descermos do ônibus, adentramos em uma trilha que nos levou a conhecer espécies da fauna e flora local que, até então, desconhecíamos. Subidas e descidas, as quais não estávamos acostumados, testaram nossas forças e, sobretudo, fizeram com que o grupo se fraternizasse ainda mais. Como não lembrar das mãos estendidas para que nosso próximo pudesse subir com segurança o declive de determinados locais? Como não lembrar das palavras de força para seguir adiante aquela trilha? Como não lembrar, finalmente, de ter chegado ao objetivo e ter se maravilhado com a imensidão de beleza natural que o Divino nos proporcionou? Como?
A doutrina comunitária de “Meu Rei”
Ao voltarmos, fomos a uma comunidade próxima, conhecer o castelo de “Meu Rei” - líder comunitário e religioso. O castelo era uma simples, porém impressionante construção de tijolo e cimento armado, de três andares, cujos pisos eram de tábuas que davam o elemento visual de rusticidade aquele ambiente. Vale ressaltar que havia também um andar abaixo do chão (inclusive nele está o túmulo do “Meu Rei” que morrera aos 116 anos), contendo nele quatro cisternas para armazenamento de água potável - abundante no subsolo daquela região, com capacidade para 30.000 litros cada uma. Inacabado, o castelo, por assim dizer, possui amplas salas e quartos, inúmeras escadas e salas que, como em um labirinto, fazia-nos voltar às salas que estávamos antes.
“Meu Rei” pregava a paz entre os homens, além de defender a não matança de animais. Tinha 40 famílias como suas seguidoras, vivendo com leis próprias que enfocavam a ética, a cidadania e a religiosidade. O “Meu Rei” afirmava ter recebido mensagens divinas (contidas em seus arquivos e que não podem ser mostradas a povos estranhos), citando inclusive algumas premonições. Hoje, é quinze o número de famílias que seguem sua doutrina, vivendo optativamente sob as leis que ele criara.
Arte e artimanhas
Ao final da tarde, voltamos à estrada que devido o passar das horas, apresentava-se ainda mais árida e quente. Mesmo assim, fomos visitar o artesão José Bezerra, que transforma troncos de árvores retorcidos, próprios da vegetação local, em arte: figuras humanas, vasos decorativos e utilitários, além de formas animais. Sua casa simples, de barro batido, apresentava-se grandiosa no meio do seu “jardim” de obras de arte. Parecia mais uma de suas obras (e era!) - nas paredes da casa observamos colocações de pedras devidamente ordenadas, criando imagens artisticamente simbólicas. O Sr. José Bezerra, excêntrico nas vestes e na fala, recebeu-nos calorosamente com canções de emboladas, de sua autoria, acompanhadas pelo som de um instrumento musical também criado por ele.
Ainda que surpreendidos por tamanha grandeza daquele ser artístico, tivemos que dele nos despedir e voltar à pousada para almoçarmos. Lá chegando, muitos tomaram banho e outros optaram por primeiro almoçar - 16 horas do dia já havia transcorrido. Um grande grupo sentou-se à mesa, outros pequenos grupos optaram por almoçar nos quartos ou na sala. Além das conversas rotineiras do momento de alimentação, outras permeavam esses pequenos grupos. Talvez o cansaço da caminhada do dia, instalado no corpo de cada um, fez que proferissem diálogos dos mais variados e estranhos possíveis para um momento de degustação. São nesses momentos, riquíssimos, que a interação entre as pessoas ganha mais força e o grupo fica ainda mais fraterno.
Uma sequência de conhecimentos
Ao final da tarde, fomos ao Museu de Buíque. A história abraçou-nos, naquele lugar, através de fotos, objetos antigos, um fóssil de 6.500 anos, imagens representativas da cultura local e alguns escritos, entre eles o Hino da cidade. Mais tarde, quando a lua vermelha visitava a noite, fomos a Missa na Capela das Irmãs. Momento ímpar de reflexão e aproximação do Divino. Após a Missa, algumas pessoas seguiram para a chácara, para ao modo de cada grupo se divertirem naquela noite. Outras optaram por descansar, dormindo ou conversando com seus (suas) colegas de quarto, pois o amanhã reservava, a todos, uma grande caminhada.
Vila... Vale... Encantos
Buíque amanheceu convidativa: músicas de legítimas raízes sertanejas soavam trazidas pelo vento, despertando-nos. Após tomarmos o nosso café da manhã, seguimos para a Vila do Catimbau, onde pudemos observar uma novena seguindo para a Igreja de São José - Padroeiro local. O Centro Comercial estava cheio de pessoas comprando verduras, colocando arreios nos cavalos, conversando na praça ou dirigindo-se à igreja e ao mercado público. Ficamos a observar as peças decorativas feitas de madeira e pequenos grãos.
O próximo local que visitamos foi o Vale do Paraíso. Local que conseguiu o êxito de ser mais encantador que o visto ontem. Subimos entre as formações rochosas, seguindo trilhas produzidas pelo homem. Verificamos um cemitério primitivo, piscinas naturais, uma caverna adaptada que podemos chamar de “hotel natural” (pagando-se determinada quantia a pessoa pode se hospedar entre o vale de rochas).
A riqueza natural do lugar impressionou a todos, embora a interferência humana se faça muito presente. Cada detalhe era motivo de contemplação: simples curvaturas nas rochas, as teias de pequenas aranhas, as colméias, as flores e as espécies de plantas espinhosas, a altura dos rochedos (e a altura em que nós nos colocávamos), as trilhas, as cores nas pedras indicando suas composições, enfim, tudo naquele lugar causou-nos encantamento.
Retomada
Mas, os encantos não são duradouros. A realidade urbana tinha hora marcada para nos levar de volta. Seguimos para a pousada, almoçamos e seguimos para esse retorno. Voltamos com as imagens em mente, com a sede de tudo rever, com promessas individuais de voltar, com falas de agradecimentos e de reflexão, com a nostalgia do adeus e a certeza de que virão outras caminhadas. E, sobretudo, com a convicção de que uma vez caminhante, sempre caminhante, pois dessas realidades descritas...
...sÓ VIVENCIANDO PARA MELHOR COMPREENDÊ-LAS!